quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Curso - Vol. 4 - Processo Coletivo - Resenha da 6a. ed. (Por Fabiano Carvalho)

DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011.
Fabiano Carvalho
Doutor e mestre pela PUC/SP.


Não é novidade dizer que Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. compõem a seleta classe do grupo de juristas brasileiros da atualidade que estão sempre envolvidos nas discussões dos temas jurídicos mais representativos da nossa sociedade.
A obra ora resenhada corrobora de modo absoluto essa afirmação.
O Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo corresponde a um estudo completo sobre o direito processual coletivo. A obra não é compêndio onde se encerram lições de um programa de estudos específicos e organizados sobre processo coletivo, mas, antes, corresponde a uma verdadeira teoria geral do processo coletivo.
Apesar da pluralidade de diplomas que atualmente regulam o processo coletivo, todos os capítulos da obra de Didier-Zaneti ajustam-se de forma harmônica e coesa, cujo texto está francamente comprometido com a ideia de sistema e com os valores de emancipação do tradicional direito processual civil individual.
O Curso é composto por doze capítulos.
O primeiro capítulo, que trata da introdução ao estudo do processo coletivo, tem como ponto nuclear a exploração da seguinte questão: Microssistemas e Códigos são incompatíveis entre si? Os autores respondem negativamente. Se de um lado “o valor dos Códigos nos ordenamentos jurídicos é enunciar princípios, cláusulas gerais e regras para harmonizar com os objetivos da Carta Magna e dos direitos fundamentais nela estatuídos”, de outro, “os micossistemas são caracterizados por tratarem de matéria especifica, dotada de particularidades técnicas e importância que justificam uma organização autônoma”. Mas isso, segundo a esclarecedora visão dos autores “não se incompatibilizam com as cláusulas gerais ou princípios, antes trazem mesmo os seus próprios, internamente, como necessidade intrínseca de organização e ordenação dos conteúdos” (p. 68).
No Capítulo seguinte, os autores examinam as “espécies” de direitos coletivos (lato sensu). Este Capítulo contém uma interessantíssima exposição sobre as ações pseudoindividuais, tese defendida pelo professor Kazuo Watanabe, cujo resultado da demanda individual gerasse efeitos jurídicos para o coletivo. Essa tese é corretamente refutada pelos autores, ao argumento de ela não se enquadra no Estado Democrático de Direito, em virtude de limitar o acesso à justiça. A solução mais adequada, segundo a visão dos autores, é suspender os processos individuais até o julgamento definitivo do processo coletivo (p. 94). De outro lado, com base nos estudos de Luiz Paulo da Silva Aaraújo Filho, os autores estudam as ações pseudocoletivas (uma ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos não significa a soma das ações individuais). Aqui, é apresentada a proposta para aplicação do art. 10.5 do , cuja redação é a seguinte: “O juiz poderá limitar o objeto da ação coletiva à parte da controvérsia que possa ser julgada na forma coletiva, deixando as questões que não são comuns ao grupo para serem decididas em ações individuais ou em uma fase posterior do próprio processo coletivo. Em decisão fundamentada, o juiz informará as questões que farão parte do processo coletivo e as que serão deixadas para ações individuais ou para a fase posterior do processo coletivo” (p. 96).
O Capítulo III versa sobre os princípios da tutela coletiva. Aqui, os autores verdadeiramente inovam, uma vez que esse tema quase nunca é tratado em sede de cursos de direito processual coletivo. Didier-Zaneti destacam que os princípios da tutela coletiva distinguem-se dos seus correlatos na tutela individual. Os princípios examinados nos Curso sãos os seguintes: a) princípio da adequada representação (legitimação); b) princípio da adequada certificação da ação coletiva; c) princípio da coisa julgada diferenciada e a “extensão subjetiva” da coisa julgada secundum eventum litis à esfera individual; d) princípio da informação e publicidade adequadas; e) princípio da competência adequada (forum non conveniens e forum shopping); f) princípio da primazia do conhecimento do mérito do processo coletivo; g) princípio da indisponibilidade da demanda coletiva; h) Princípio do microssistema: aplicação integrada das leis para a tutela coletiva; i) reparação integral do dano; j) princípio da não-taxatividade ou da atipicidade da ação e do processo coletivo; k) processual para a tutela de direitos difusos; l) princípio do ativismo judicial.
Em seguida, os autores ocupam-se, no Capítulo IV, do estudo da competência. A premissa traçada pelos autores é no sentido de que diante da natureza da tutela jurisdicional coletiva é preciso realizar uma interpretação mais flexível das regras de competência. Nesse tópico do Curso, são abordas questões difíceis e controvertidas, como, por exemplo, a regra de delegação de competência federal ao juízo estadual e a restrição territorial da eficácia das decisões proferidas em ações coletivas. Didier-Zaneti dedicam ainda algumas páginas de intenso conteúdo sobre a competência para a ação de improbidade administrativa.
Na abordagem do fenômeno processual da conexão, realizada no Capítulo V, Didier-Zaneti apresentam excelentes respostas para as seguintes questões: (i) conexão em causas coletivas pode importar modificação de uma regra de competência absoluta?; (ii) é possível falar em juízo prevento universal? No mesmo Capítulo é analisado o difícil assunto da litispendência entre ações coletivas e a relação entre ações coletivas e ações individuais. Nesse ponto, merece especial destaque a crítica que é feita à proposta legislativa que diz haver litispendência entre demandas coletivas com causa de pedir distintas. Na correta visão dos autores, “sem identidade de causa de pedir, não há identidade de ‘problema’ submetido ao Judiciário e, portanto, não se pode falar em litispendência, apenas em conexão, se for o caso” (p. 179). Outro ponto muito interessante, muito bem discutido ainda neste Capítulo é a defesa da tese da suspensão dos processos individuais, em razão da existência de uma demanda coletiva correspondente ser determinada de ofício ou a requerimento da parte, sempre com a observância do regular contraditório (p. 191/192).
O tema do Capítulo VI é o árduo tema da legitimação ad causam nas ações coletivas. Talvez seja o tema mais debatido pela jurisprudência, principalmente com relação à legitimidade ativa do Ministério Público. Assunto bastante palpitante e muito bem examinado pelo Curso é o controle jurisdicional da legitimação coletiva. Na linha doutrinária de Didier-Zaneti, a análise da legitimidade para as demandas coletivas dar-se-ia em duas fases: (i) verifica-se se há autorização legal para que determinado entre possa substituir os titulares coletivos no direito afirmado e conduzir o processo coletivo; e, em seguida (ii) o juiz exerce o controle in concreto da adequação da legitimidade para aferir, sempre de forma motivada, se estão presentes os elementos que asseguram a representatividade adequada dos direitos em tela (p. 211/212). Mantendo-se fiéis à linha da “representação adequada”, não escapou à crítica dos autores o disposto no art. 21 da Lei n. 12.016/2009, norma essa que seria inconstitucional, por não incluir o Ministério Público e outros entes representativos da sociedade (p. ex. Defensoria Pública) no rol dos legitimados para impetrar mandado de segurança coletivo.
Examina-se no Capítulo VI o inquérito civil. Nesse espaço, os autores dão relevante destaque para os princípios basilares desse importante instrumento extraprocessual. Além disso, algumas questões polêmicas são tratadas com agudeza de espírito. Finalmente, ainda aqui, os autores encontraram fôlego para tratar de outros dois instrumentos extrajudiciais ligados à tutela coletiva, que ainda não receberam a devida atenção pelos processualistas: recomendação e audiência pública.[1]
No Capítulo VII, o Curso retoma o estudo dos elementos subjetivos do processo coletivo para explicar a intervenção de terceiros, que no microssistema coletivo recebe um tratamento legislativo diferenciado. Nesse tópico, são tratados temas já muito discutidos na doutrina e na jurisprudência (a denunciação da lide e o chamamento ao processo nas causas coletivas de consumo), como também temas modernos (intervenção da pessoa jurídica interessada na ação de improbidade administrativa). Na linha da doutrina que estudo o processo como instrumento do Estado Democrático de Direito, Didier-Zaneti defendem a participação da sociedade civil no processo coletivo por intermédio do amicus curiae, pois seria “legitimar ainda mais a decisão do órgão jurisdicional, em um processo de evidente interesse público” (p. 254).
Em continuação, o Capítulo IX cuida dos aspectos gerais da tutela coletiva (material e processual). Destaquem-se, aqui, algumas discussões que parecem estar longe de uma definição. O primeiro assunto relevante é a limitação que é imposta pelo art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, com redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, ao aduzir não ser cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Depois de apresentarem serena crítica ao referido dispositivo legal, Didier-Zaneti sustentam que essa delimitação não se aplica ao mandado de segurança coletivo, porque historicamente essa ação constitucional atua como meio “para a tutela dos contribuintes contra o abuso de poder e as ilegalidades perpetradas pelo Poder Público”. Parece absolutamente correto o argumento dos autores, acrescentando que a interpretação da mencionada norma deve ser interpretada restritivamente, uma vez que limita o direito fundamental de ação, constitucionalmente garantido pela CF. Muito interessante é o posicionamento dos autores em não desprezar a conciliação nas causas coletivas, desde que haja efetivo controle do órgão judicial e do Ministério Público.
O Curso avança para cuidar, no Capítulo X, de forma minuciosa, da coisa julgada, cujo assunto é, sem medo de errar, um dos mais polêmicos da tutela coletiva. Destaque-se a posição dos autores sobre a coisa julgada secundum eventum probationis. Nesse ponto, sustenta-se que não basta ser a prova “nova”, mas sim a prova capaz de mudar a decisão transitada em julgado deve ser suficiente para um novo juízo de direito acerca da questão de fundo. “a opção pela coisa julgada secundum eventum probationis revela o objetivo de prestigiar o valor justiça em detrimento do valor segurança, bem como preservar os processos coletivos do conluio e da fraude processual” (p. 367).
O penúltimo Capítulo (XI) esmiúça a liquidação e a execução da decisão coletiva. Pela agudeza do raciocínio, merece destaque o item 2.3, que trata do problema da legitimidade ativa na execução da decisão genérica da ação coletiva que versa sobre direitos individuais homogêneos. Mais adiante Didier-Zaneti cuidam da competência para a liquidação e execução coletiva, concluindo que há três foros em tese competentes: foro que processou a causa originariamente, foro de domicílio do executado e foro do bem que pode ser expropriado.
Finalmente, o Capítulo XII trata de um dos temas menos versados pelos doutrinadores: processo coletivo passivo. Nesse ponto, há um cuidadoso estudo para a seguinte pergunta: a coletividade pode ser ré no processo coletivo? Didier-Zaneti, depois de explicarem que a resposta é positiva, oferecem interessantes exemplos. Tomamos a liberdade de transcrever um deles: “Em 2004, em razão da greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal ingressou com demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva passiva, pois a categoria ‘policial federal’ encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar ao trabalho.” (p. 415-416).
Por tudo isso, a 6ª edição do Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo com que Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. acabam de nos brindar, pode-se dizer que o volume já é um clássico do direito processual.
A meditação dessa obra será de grande proveito para todos quantos desejam conhecer os problemas da tutela coletiva: problemas, na realidade, muito mais simples do que parecem, graças à agudeza de espírito dos autores.